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Portugal aposta em ser um meio-deserto, com mais de metade do seu território às moscas ou ocupado por meia-dúzia de desalinhados, ou deserdados, da sociedade e da vida.
Nos últimos tempos tenho passado pelo país profundo e não é difícil perceber que há uma parte do continente lusitano que está à beira do fim, do nada, do fundo.
Faltam pessoas.
Não se vêem crianças. Os mais velhos vão morrendo. Os de meia-idade partiram e não voltaram. Os jovens partem e não voltarão.
Faltam acessos.
O dinheiro do Portugal 2020 não quer mais estradas, nem acabar estradas inacabadas. O sítio vai continuar a ficar longe, às curvas, e com vias estreitas. O alcatrão a mais de ontem foi a menos por ali e agora é longe, perdão, tarde.
Faltam hospitais.
O hospital fechou, faz tempo. O centro de saúde só abre de dia. A noite é para dormir, não é para ficar doente. A dor pode esperar: pelo dia seguinte, pelo transporte, pela sorte. Aguenta, aguenta.
Faltam empresas.
A fábrica fechou. A loja fechou. A residencial encerrou. E o café-restaurante ficou com o monopólio do vazio. Sem emprego, sem trabalho, falta o conteúdo da dignidade da subsistência e da sobrevivência.
Faltam escolas.
Ainda lá está o edifício, o espaço do recreio, o parque desportivo abandonado, no meio de um absurdo silêncio que apaga o imaginário da saudade do grito e das corridas das crianças. Fechou-se a educação.
Faltam tribunais.
Era ali. Ainda lá está a balança esculpida na parede, mas o juiz já lá não vai. Eram poucos os processos, faltavam crimes. A justiça foi-se embora. Uma injustiça.
Todas estas faltas se cruzam, provocam-se umas às outras, geram-se entre si e, entrelaçadas, matam tudo, até a esperança.
Casa vazias. Terrenos sem cultivo. Ruas desertas.
Sem estrada.
Sem hospital.
Sem trabalho.
Sem escola.
Sem tribunal.
Sem gente.
Não resta nada para além da natureza. Mas a natureza, com tanta solidão, voltou a ser selvagem.
Se não há lá nada, alguém decide que é para acabar. Acabou.
E não lhe chamem Interior! Ao nada chama-se nada.
E se nada for feito, vai tudo a eito. E o tudo resume-se assim: o Interior está lixado!
E Portugal vai ser metade.
(publicado, em 18 de Fevereiro de 2014, no jornal Folha do Centro e aqui reeditado no contexto da jornada de luta que vai acontecer sexta-feitra, dia 24, em Oliveira do Hospital)
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