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Já tinha passado a hora de jantar e “Chovia bem”, como se diz no Interior.
Ao outro dia tinha que voltar. Fiquei, não viajei. Decidi dormir ali, na vila.
Gosto da rua para me libertar do cansaço. Como bom beirão, ignorei a chuva e fiz-me à calçada.
Durante o passeio, passaram por mim dois ou três carros. Não passou por mim, a pé, uma única pessoa.
Tudo fechado, incluindo cafés e similares. Muitas lojas com sinais evidentes de “o fechado” já ter muito tempo. Outras lojas, tinham ainda ar de existir, mas com imagem de resistir: velhas, gastas, ultrapassadas.
A luz de algumas das ruas era pouca, ou fraca. Quase todas as lojas com a luz apagada, sem montra iluminada. “É preciso poupar”, disseram-me no dia seguinte.
Em alguns instantes, senti-me como se estivesse a passar no dia depois do apocalipse. Parecia que aquilo tinha acabado. Que toda a gente se tinha ido embora.
O silêncio, a chuva, o chão molhado e Eu.
Sim, só Eu, no escuro da noite salpicado pela luz ténue do candeeiro público.
Na esquina em que mudava de rua, surpresa, um café aberto. Entrei. O dono e dois ou três amigos e muitas mesas e cadeiras vazias.
Fiz conversa: - Então, não se vê ninguém e ainda nem dez horas são? – Pois não, e não é da chuva, agora somos poucos e estamos velhos. Há muita casa vazia, não há negócio, o pessoal vai comprar aos centros comerciais da cidade, muitos foram para lá viver, os filhos foram para lá estudar. - Há aqui muita empresa, há emprego!, atalhei eu. – Sim, mas muitos trabalham cá, mas não são de cá, não vivem cá, isto está sem vida. Antigamente, num dia assim, tinha o café cheio. Hoje a rapaziada também gosta de estar em casa, com a internet…o destino disto é negro, qualquer dia não mora cá ninguém, só cá ficam os velhotes.
A conversa continuou, sempre num registo de tranquila resignação e sem azedume, nem com nada, nem com ninguém.
No hotel fui recebido com o sorriso de quem gosta de ver alguém chegar e que diz ser “daqui”. Dormi num espaço consumido, demasiado usado e com um cheiro incomodativo do tempo passado. Já nem o hipotético charme do tempo, salva o sítio da imagem de que os melhores tempos talvez não voltem mais, tal a evidência do fim à vista.
Escrevi o ponto final ao escuro da noite e ao destino do Interior, ao desligar um candeeiro que me provocou saudades da minha avó e da minha infância.
O Interior não Chega longe, cada vez é menos Livre e não tem energia para um grito de Iniciativa Liberal. Pois! Estas novidades políticas vivem sob a luz de Lisboa.
Vitor Neves
(publicado no jornal Folha do Centro, 15 Novembro de 2019)
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