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Sabe onde é Gavinhos de Cima?
É um bairro, desenhado em formato de anexo, da cidade de Oliveira do Hospital.
Foi ali que fui criança.
Os anos foram esvaziando Gavinhos de Cima de habitantes.
Uns foram para muito longe, outros para longe, outros para perto: foram muitos os que foram. Ficaram muitas casas vazias, muitas ruas quase sempre desertas, muitos terrenos em pousio eterno da agricultura de subsistência.
Gavinhos de Cima foi perdendo juventude, energia, vitalidade, orgulho e capacidade de sonhar. É muito difícil as pessoas sonharem, quando a linha do fim, marcada pela idade, começa a anunciar que falta pouco tempo. Até os Grandiosos Festejos, em Honra da Nossa Senhora da Graça foram cada vez ficando menos grandiosos.
A grande festa que se fazia em redor da Capela da Santa, onde se chegava atravessando ruas limpas, iluminadas, floridas e ao som da música da aparelhagem sonora; a grande festa do frango assado, do caldo verde, do tinto, da gasosa e da mini gelada; a grande festa dos conjuntos musicais, do “dancing” cheio que nem um ovo e dos arraiais; a grande festa da banda filarmónica, dos andores e da procissão, do leilão da quermesse, das provas de atletismo, da malha e da corrida de púcaros; a grande festa do calor de Agosto, dos foguetes das alvoradas e dos bidons de gelo, dos grandes almoços das famílias, com emigrantes e outros visitantes e o músico convidado; a grande festa de duas noites longas, onde podia acontecer tudo, até pancadaria, que graças à Senhora da Graça acabava sempre nas traseiras da Capela, no bar!
Por estes dias, sobrava festa, faltava gente. Este ano não houve festa.
O vazio deste Agosto, em redor da capela da Nossa Senhora da Graça, é a imagem cheia da desgraça do Interior: falta gente. Falta gente e falta gente nova, como se dizia nos tempos dos Grandiosos Festejos.
Sim, os tempos mudaram. Agora já ninguém ambiciona o prestígio e a bondade social de ser mordomo. Agora ninguém tem tempo, tanta é a gente que exibe a gosto o tempo que gasta a dizer que não tem tempo. E com cada vez menos pessoas e com cada vez mais pessoas no fim do tempo, não há tempo para nada, nem para festas.
- Uma desgraça, Senhora da Graça!
Assalta-me, neste instante em que escrevo, a memória da novena e do eco da voz da Menina Judite que, ajoelhada, proclamava:
- Nossa Senhora da Graça, Rogai por Nós.
E nós, os miúdos, cá atrás, entre risinhos e beliscões, respondíamos:
- Rogai por Nós.
Vitor Neves
(publicado no jornal Folha do Centro, 12 de Setembro de 2018; fotografia: A. Alexandre Neves)
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