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O Fogo.
A Fama.
Depois de ter ardido, o Interior tornou-se conhecido.
Desde o dia 15 de Outubro, Portugal acordou para o Portugal que se queimou.
A desgraça é a graça da audiência.
A desgraça é palco de graça da popularidade.
Já não há nada de novo para ver. Já não há nada de novo para dizer. Mas contínua o ir e vir.
Os daqui, do Interior, vão até Lisboa dizer que isto ardeu e que perante tanta desgraça é preciso dinheiro, dinheiro.
Os dali, de Lisboa, do poder, da oposição visitam a terra queimada e, confrontados pelas imagens e pelas histórias da desgraça, prometem apoio, apoio.
Tudo isto dá na TV. Também dá na Rádio. Também é contado nos jornais. Mas o Interior gosta mesmo é da TV.
O Interior queimado, deserto, esquecido, envelhecido é o cenário explorado até à exaustão, numa novela que já vai em registo de várias temporadas, em que diferentes protagonistas se tornaram figuras conhecidas do fogo – uns legitimados pelo que fazem, outros fazem tudo para parecer legitimados!
São os (nossos) famosos do fogo. São os filhos da fama do grande incêndio.
Talvez não seja bonito escrever assim, mas é o que se sente ao assistir ao desfile de vaidades de alguns desses protagonistas nas redes sociais – sublinhe-se, alguns - quando anunciam que hoje vou à TV, quando anunciam que hoje fui à TV, quando não conseguem controlar a exibição do ego de quem se vê na TV.
Basta passar uns dias pelo meio da terra despida pelas chamas, para se perceber que há uma maioria silenciosa que está cansada!
Cansada de ver a nudez da sua terra na TV; Cansada de ver os amigos e os vizinhos a narrar a sua miséria na TV; Cansada de tanta popularidade daqueles que julgam ser um caso nacional ao ler o seu nome no jornal; Cansada de ver este Interior na TV, tantas vezes na TV!
A fama cansa. A fama do fogo queima.
Vitor Neves
(publicado no jornal Folha do Centro, 10 de Maio de 2018)
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