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“As tristezas não foram feitas para os animais, mas para os homens; mas se os homens as sentem muito, tornam-se animais.”

Miguel de Cervantes

 

O vírus perdeu energia, mas não perdeu a mania.

Insiste em condicionar tudo, em cancelar tudo, em apagar tudo.

Apesar da malvada pandemia, apesar da desgraça da economia, o ano é de eleições e já há quem anuncie querer ser o futuro líder da autarquia...de Oliveira do Hospital.

Alexandrino, após tanto tempo como carismático presidente, vai constatar em 2021 que afinal não era, apenas estava, ou como o “uma vez presidente, presidente para sempre”, o sempre não é bem assim.

O Senhor que se segue, deverá chamar-se Francisco, faltando saber se lá chegará vestido de rosa ou de laranja.

O fim é o palco da última vez e o caminho para lá chegar é uma sequência de despedidas.

Alexandrino merecia despedir-se da sua feira do queijo Serra da Estrela.

A festa patrocinada por esta rara iguaria, é uma marca indelével dos seus mandatos, que colocou Oliveira do Hospital no topo da agenda mediática, inundou o centro da cidade de gente apinhada, oriunda de muitas paragens, e um recheio de visitantes ilustres, entre os quais o Presidente Marcelo, que até repetiu a visita e o show de selfies.

Parece incontestável, que a vida da Feira do Queijo Serra da Estrela, se pode dividir em dois tempos: antes de Alexandrino e depois de Alexandrino.

A covid 19 já tinha roubado uma Feira a Alexandrino, a do ano passado.

2021 é outro ano. O maldito vírus, não. E continua inclemente: Alexandrino não vai ter direito à sua última Feira do Queijo.

Como deve ser grande a tristeza do Homem, que muitos definem como o Presidente das festas, ao não ter o privilégio de desfrutar da última feira, da sua festa do queijo.

Nestes dias de tristeza infinita, de confinamento e desalento, a feira do queijo faz falta a todos e a cada um de nós. Há um de nós, a quem esta falta deverá fazer ainda mais falta, uma falta que não se consegue desenhar, escrever ou dizer. Esse um de nós tem nome: José Carlos Alexandrino.

Talvez Cervantes tivesse razão. Uma tristeza muito sentida, empurra o ser humano para o reino da dor animal, não é suportável sob a manta da racionalidade.

- Haja saúde! É o consolo da objetividade que ajuda a relativizar tudo o resto.

A emergência em que vivemos é incontornável e implacável.

Alexandrino, o Presidente, vai “perder” o poder e a cadeira, sem ter direito à sua última feira.

Vitor Neves

(publicado jornal Folha do Centro, 28 de Fevereiro de 2021)

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publicado às 11:35

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A covid 19 está a provocar a queda de um avião comercial por dia em Portugal, tal é o número de mortos que contamos todos os dias.

Quando cai um avião perto de nós, todos os outros assuntos caem no arquivo da não relevância.

Se acontece todos os dias, entramos em registo de catástrofe, e em tal registo tudo o resto parece completamente insignificante.

Ainda que bloqueados pelo susto e pelo terror, importa contornar a ilusão de que tudo está parado: não está, não é verdade! E ainda bem, pelo nosso bem coletivo, pela nossa subsistência e pela paz social.

O estafado “a vida continua” é protagonizado por pessoas. São as pessoas que, consequência do que fazem, não podem ficar em casa, não podem usufruir do teletrabalho e, muitas dessas pessoas, não podem sequer evitar os contactos diários com outras pessoas - aqui não se contempla qualquer referência aos profissionais de saúde, mormente aqueles que estão na linha da frente, por serem um grupo que, por estes dias, está acima de tudo e de todos.

Esta é uma desigualdade sócio profissional que a pandemia tem sublinhado de forma vincada e acentua diferenças sociais que, após a saída do pânico em que vivemos, será algo de grande dificuldade de gestão de equilíbrios entre direitos e deveres. Outra desigualdade também muito sublinhada pelo vírus, é a diferença entre quem trabalha no público e no privado, algo muito enfático no Interior.

Acontece que nos últimos tempos, o discurso hegemónico da desigualdade gravita em redor do género, da preferência sexual, da cor da pele, da etnia e da religião.

O vírus obriga a repensar este discurso, promovendo o amargo da (re)inclusão da pobreza e da desigualdade de oportunidades no topo das prioridades das narrativas sobre o que exige atenção.

Uma sociedade assim desigual, potencia todas as formas de desigualdade, dificulta o combate à exclusão, ao crescimento de guetos e aos extremismos.

No Interior tudo isto se agrava com contributo que a desigualdade social empresta ao despovoamento e ao abandono.

Não mais esquecerei a Senhora que, a meio de um destes dias, numa fábrica do Interior, me disse que esta crise “é a prova que o sol quando nasce não é para todos”.

Sim, já antes assim era. Mas sim, com o vírus nota-se mais, muito mais!

Vitor Neves

(publicado no Jornal Folha do Centro, 25 de Janeiro de 2021)

    

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publicado às 11:20

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A A25 é uma estrada cravada em assombrosas paisagens, com postais indizíveis de nascer e por do sol, que se transformam com as estações do ano, em sublinhados de pintura que nos inquietam a alma, tanta é a beleza.

É nestes cenários, que o pensamento e as reflexões sobre o Interior, muitas vezes fazem curva e contra-curva. O entusiasmo do pensamento sobre o futuro do Interior, por vezes, quase para, tal como algumas das viagens, quando o nevoeiro das Talhadas obriga a viatura a seguir a pé-ante-pé.

A estrada que alargou de IP5 para A25, aproximou o mar à serra. E como Portugal ainda tem menos largura que altura, quase não se percebe a razão da definição de Interior - talvez seja só isso, uma definição - tão instante é o instante necessário para do mar subir a montanha, ou da montanha mergulhar no mar.

O Interior em 2017 ardeu. Em 2020 adoeceu.

Caramba, em tão pouco tempo é muito. É muito, para uma região que já sofria de uma longa doença de perda de geração de riqueza, de envelhecimento e de despovoamento.

Os do Interior são valentes, mas mansos.

E o ser assim é bom, não ajuda a levantar voo.

Foi em plena A25, sob uma imagem deslumbrante de um céu que nos convidada a voar, que dei com o pensamento a sentar o Interior no avião da TAP, a nossa companhia aérea que, para continuar a voar, precisa de milhões para pagar o custo da doença que quase a matou e mais milhões para investir no levantar para o futuro...e voar.

É isto: o Interior que se “desTAP”, que mostre ao mundo os efeitos do fogo e agora da doença, que grite como valente pouco manso, o quanto é imprescindível para o País ser Inteiro, que faça contas e reclame os milhões que precisa para...voar!

E se no caso TAP talvez seja discutível o ter despachado os privados, que seja claro que no interior do Interior tem de prevalecer o interesse coletivo e não o interesse privado e pequenino de alguns pseudo-senhorios, que se “assustam” com a turbulência de ver o Interior a voar.

O risco do desTAPar é ver-se tudo.

Se o Tudo forem Todos, de uma vez e a uma só voz, talvez possa a vir a ser melhor e mais seguro, o voar do Interior que o da TAP.

Vitor Neves

(publicado no jornal Folha do Centro, 22 de Dezembro de 2020)

ps: que a prenda deste Natal seja o fim da Pandemia. Assim sendo, será um Feliz Natal para Todos!

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publicado às 19:45

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Buarque. Chico Buarque. O Chico, é o Chico, um dos melhores de todos Nós. Agarrei-me ao seu talento para me salvar do confinamento da caneta. A pandemia parece que nos tira tudo, que nos tira de tudo. Todos os dias contamos infectados, internados e mortos. O vírus prendeu-nos.

Somos pessoas. Viver (?) assim todos os dias, tantos dias, cansa. Cansa muito, e assusta.

Somos pessoas. Temos medo, da doença, da ruína, da fome, do fim.

Não sei escrever como o Chico, mas, “Aproveitando o Ensejo”, sou capaz de Abraçar o que o Chico escreveu, para…    
“Sonhar
Mais um sonho impossível
Lutar
Quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender
Sofrer a tortura implacável
Romper a incabível prisão
Voar num limite improvável
Tocar o inacessível chão
É minha lei, é minha questão
Virar esse mundo
Cravar esse chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã, se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu delirar
E morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão.”

Vitor Neves

(publicado no jornal Folha do Centro, 16 de Outubro de 2020)

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publicado às 19:39

 

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O turista português descobriu, em 2020, que o que “É Nacional é bom!”

A pandemia Covid 19 empurrou-nos a todos para dentro. Primeiro para dentro de casa, depois para dentro do país.

Não há memória de uma coisa assim.

Tanto português metido dentro do seu país, percorrendo-o e descobrindo-o por dentro, sentindo o aconchego do prazer de viajar cá dentro.

Uma viagem por um Interior de Portugal que, apesar do despovoamento, está novo, bem cuidado, com uma rede viária extraordinária, com projetos turísticos fantásticos e uma variedade de paisagens, de gastronomia e de enologia indizíveis.

Apesar de uma gritante impreparação para o marketing turístico e o abandono de muitos e muitos “casarões”, o país está (Quase) todo novo!

Importa aqui destacar o Quase, que quase se escondia na frase anterior.

Muito deste Quase está escrito no centro interior, na beira interior.

Quando, aqui e ali, já cheira a eleições autárquicas, é bom lembrar os futuros candidatos que o nosso Interior, o Interior que é mesmo o interior do centro do país retângulo, parece que se tem descuidado com a evolução da concorrência...interna.

Há “Interiores” com as montanhas (mais) bem cuidadas, com as praias dos rios (mais) bem tratadas, com a oferta gastronómica (mais) bem estruturada e organizada, com os produtos endógenos e embaixadores de cada região (mais) bem suportados e com excelentes vias de comunicação e unidades de hotelaria que são um regalo para ir e para dormir, respetivamente.

Sempre que apregoamos as nossas virtudes para com as visitas, convém olhar para o lado e dar conta que a nossa serra, a nossa praia fluvial, a nossa gastronomia, a nossa estrada, a nossa oferta de dormidas, talvez estejam a ficar para trás e não são assim tão excecionais: há melhor e cada vez há mais Melhores.

É bem verdade que há sempre melhores e piores. Mas é imperativo que a nossa Beira Interior se junte aos melhores, conquistando elogios que dispensam a proclamação do auto-elogio.

Que os milhões que se anunciam a chegar da Europa, sejam o despertador, o acelerador e a motivação para que este nosso Centro Interior esteja no centro das melhores Opções, para que cada um de Nós possa ser feliz Aqui dentro.

Vitor Neves

(publicado no jornal Folha do Centro, 10 de Setembro de 2020)

ps: o que é que move um homem a registar como marcas suas, os nomes de instituições com centenas e dezenas de anos? E como é que tal é possível?

- Estranhos, estes dias que vivemos!

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publicado às 19:29

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Um verão sem foguetes.

Um tempo sem festas.

Um Interior mais cheio de silêncio e mais saudoso de sorrisos.

As festas para o Interior são encontros, regressos e saudades. Nos dias das festas, quais ajuntamentos, o Interior parece ser terra de muitos, muito felizes.

O virús ameaçou-nos a saúde e a vida, cortou-nos a liberdade e acabou com as festas – e até o silêncio passou a fazer barulho.

As festas para o Interior são uma espécie de respirar coletivo, um grito de grupo pela vida, entre copos, bifanas e farturas; artistas da rádio e tv, selfies para as redes sociais e o uau costumeiro sob o fogo de artifício do arraial.

As festas para o Interior são o quase tudo para quem quase não tem mais nada, ou como a sua ausência faz parecer o pão (mais) amassado pelo diabo, tal é o vazio da falta do circo.

Um olhar pelo exemplo de Oliveira do Hospital - meses sem festas: sem a festa do queijo serra da estrela, sem a semana cultural e a feira do livro, sem eventos desportivos, sem a noite das marchas, sem a Expoh, sem nada.

Com tanto nada, sobrou pouco para celebrar a vida no concelho rei da festa da beira interior.

Talvez não se volte a escutar tão cedo, quem lhe chamava “O Município das Festas”, após tamanha queda na realidade do buraco dos dias sem folia.

A Covid 19 apagou a luz do Interior, fechou os sorrisos, confinou os abraços dos reencontros e tapou a alegria com a máscara da tristeza.

O vírus provoca dor e perda um pouco por todo lado. No Interior, também. Mas no Interior o vírus parece ter tirado o que faltava tirar: a festa.

Que esta crónica, da morte da festa no Interior, tenha sido manifestamente exagerada.

Que esta crónica, não seja mais uma página de uma morte anunciada.

O Interior precisa de voltar a sentir a ressaca do “Foi bonita a festa, pá!”.

E depressa, pá!

Vitor Neves

(publicado no jornal Folha do Centro, 6 de Agosto de 2020)

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publicado às 19:16

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Melícias. Sabe quem é? Sabemos quem é. Vítor Melícias é o homem que, não há muito tempo, foi considerado por muitos o padre do regime do centrão político, PS-PSD, que há muito nos governa.

O poder político em Portugal sempre viveu muito próximo da Igreja Católica. Mesmo o laico Mário Soares era cuidadoso com os católicos, onde tinha muitos “mon ami”.

Sendo este o contexto, não deixa de ter razão o meu amigo e Historiador Luís Torgal, quando recorda que “as relações perigosas entre os poderes profanos e os poderes sagrados não trazem boas memórias”.

O passado, sempre nos ensina que é melhor evitar do que corrigir ou remendar.

Vem tudo isto a propósito da “animação” política que se vive em Oliveira do Hospital, depois de uma capa do JN em que se anunciava que a autarquia local aprovou um subsídio para pagar os salários de três padres.

Alexandrino, o presidente do município de Oliveira do Hospital, que ainda há pouco tinha estado num Altar, algo que tinha passado ao lado de quase todos, incluindo da comunicação social nacional, viu-se sob alçada da inquisição política da oposição.

É óbvio que o assunto é dado a gerar polémica. É óbvio que neste momento de pandemia e pandemónio económico e social, era desejável que tudo isto não estivesse a acontecer.

Aliás, como bem também sublinha Luís Torgal “hoje o Estado é laico, ou, melhor dizendo, tendencialmente laico, pois esse preceito não está objetivamente inscrito na nossa Constituição…. De resto, nunca devemos esquecer que a alegada neutralidade do Estado em matéria religiosa foi uma conquista longa e bem difícil das sociedades modernas, democráticas, pluralistas e tolerantes”.

Importa pouco o detalhe sobre para o que foi ou para o que é, o dinheiro dado pela Câmara à Igreja Católica local.

Já importa muito saber que o que foi feito pelo executivo de Alexandrino, não foi mais do que mais um “pecado” a somar a outros, protagonizados por “pecadores” de outras cores políticas.

Isto é, a nível local repete-se o comportamento do centrão nacional, no relacionamento atencioso com a Igreja Católica, “com a benção” de homens como Vítor Melícias.

Espanta que perante tantas e tamanhas evidências, ainda haja pseudos-apóstolos a reivindicar santidade e até, pasme-se, virgindade.

Valha-nos, como sempre, a imensa e misericordiosa paciência de Deus, Nosso Senhor.

Vitor Neves

(publicado no jornal Folha do Centro, Junho 2020)

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publicado às 19:06

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Uma igreja. Um altar. Uma missa. Um presidente de câmara. E o facebook.

Um retrato do tempo novo que vivemos e da ilimitada capacidade do ser humano para se reinventar e para se adaptar.

Quando é que algum de nós sonhou que ir à missa podia ser “o mesmo” que ir ao facebook?! Nem o Zuckerberg…     

Confesso que quando vi, no facebook da Regional TV, José Carlos Alexandrino, presidente da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital, no altar da igreja do Ervedal, em plena celebração da missa, logo me ocorreu: isto é notícia! Pelo inesperado, pelo insólito, pela coragem.

Tanto quanto sei, a CMTV não deu esta notícia. Falhou. Os Outros media nacionais também falharam. O Interior continua longe de Lisboa…

Ver Alexandrino no altar é ver Alexandrino no seu lugar. Ele é assim. E como Ele é assim, e todos já devíamos saber que Ele é assim, o que em outros seria de espantar, feito por Ele é normal, absolutamente.

A homilia de Alexandrino foi a de sempre. Qual bom pastor, prometeu que não deixaria nenhuma das suas ovelhas para trás.

Não é fácil de entender a indignação de alguns. Acusar o Homem de estar a fazer campanha política é patético. Caramba, este é o seu último mandato e cada sua eleição foi um record de votação.

Alexandrino é o nosso Marcelo, o Marcelo das beiras. E tal como o Presidente da República, o que fica mal a muitos a Eles assenta bem e é um prolongamento da sua personalidade. Pode não se gostar, mas não suporta o acusar e acrescenta pouco criticar.

Alexandrino é Marcelo, mas não é Soares, o eterno presidente republicano, laico e socialista.

Alexandrino é apenas republicano. 

Assim, não surpreende que Ele acredite que a pandemia vai passar “com ajuda da ciência e de Deus.” - É uma questão de fé, da sua fé. Ponto.

Ir à missa na igreja é como ir à missa no facebook: Não é obrigatório. E se não fizer bem, também não fará mal.

Em qualquer caso, vamos em paz e que Alexandrino nos acompanhe!

Vitor Neves

(publicado no jornal Folha do Centro, 21 de Maio 2020)

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publicado às 18:51

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(texto de vénia a quem a merece)

Estes dias em que (sobre)vivemos, obrigam a que cada um de Nós se olhe ao espelho.

Imagine que, num abrir e fechar de olhos, o planeta pára. Pára mesmo.

A imagem é da sétima arte. A película é protagonizada por um vírus invisível que contagia, mata e bloqueia: Tudo parado. Todos separados. Todos parados.

Em poucos dias, todos somos confrontados entre o prolongar da vida e o prolongar da morte, o vazio e a ausência. Acabaram os abraços. Os beijos também.

Aproveite o tempo, o isolamento, o medo e a solidão para se olhar, de alto-a-baixo, no espelho.

Pode tirar a máscara da salvação. Está só.

O espelho que lhe mostra o corpo e, talvez, lhe vá escancarar a mente.

O espelho mostra-lhe os seus olhos a dizerem-lhe que tudo o que quer é...continuar!

Implacável, o espelho, despe-lhe a alma de que antes lhe parecia o mais importante da sua existência e permite-lhe ver, na ansiedade de continuar, o bater do coração pelo básico da vida:

- a saúde, a fome, o ar. A saúde que precisa de ter. A fome que não quer ter. O ar...para respirar.

Intratável, sem piedade, o espelho diz-lhe, quando a corda da nossa passagem pelo planeta estica, o tudo que precisa para seguir.

E é nesse instante, ainda no frente-a-frente do espelho de si, que um estremecimento lhe abana as estranhas, do corpo e da mente, quando percebe que aqueles que lhe asseguram a saúde, que lhe asseguram que não vai ter fome e que lhe recolhem o lixo para que possa respirar, não ficaram em casa!

Não se olharam ao espelho, não tiveram tempo para isso, não tiveram tempo para nada! Talvez precisassem de ter tempo para ter medo...

Que a nossa memória social não se apague, para que não subsistam dúvidas sobre quem são aqueles que com aquilo que fazem, nos asseguram o que nos é verdadeiramente essencial para continuar.

E para vida. 

Vitor Neves 

(publicado no jornal Folha do Centro, 17 de Abril de 2020)

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publicado às 18:34

Medodemia

05.04.20

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- Tenho medo!

Tenho medo que o vírus se encontre com os meus filhos.

Tenho medo que daqui a um instante não consiga pagar salários.

Tenho medo que daqui a uns dias chegue a desgraça de faltar tudo.

Tenho medo de acordar e sentir que viver é…sobreviver!

Tenho medo pelo tudo que está a acontecer, mas não tenho medo de ter medo.

Também não tenho medo de o dizer em público. Tenho até medo que o meu “tenho medo” seja universal.

Tenho medo, mas quero seguir. Vou respeitar, cuidar, mas não vou parar. Não quero, não quero parar. Tão pouco vou parar de acreditar que isto vai passar.

Confesso, no entanto, que me custa escrever…

Uma “coisa” chamada coronavírus, uma “coisa” também chamada Covid 19, num ápice senta o ser humano na sua imensa fragilidade, na sua indizível impotência.

Logo por estes dias, em que parecia que tanta tecnologia, tanta ciência, tanta cura impossível, tanta longevidade, tanta ilusão de eternidade, tinham transformado o nosso ser humano num ser invencível e inexpugnável.

Afinal…

Afinal, de repente, tudo isto é frágil, demasiado frágil e parece que tudo se vai desmoronar, tal a velocidade com que se alterou o modo como vivíamos, se limitou a liberdade que tínhamos, se instalou o limite em tudo o que fazemos, queremos ou imaginamos.

Afinal, quase sem darmos conta, damos conta que não há esconderijo, não há fuga possível, estamos encostados á parede! E um sentir incrédulo, que não se consegue desenhar, magoa-nos até ao osso quando olhamos todas as nossas prioridades e tudo parece ter deixado de fazer sentido. Sim, o vírus roubou o sentido ao que nos fazia sentido…

O ser humano tem uma capacidade ilimitada de se socorrer do irracional, do despropositado, do inconsciente, do sonho para se manter á tona e continuar, e continuar agarrado a tudo, até ao ditado que um dia sentenciou que não há mal que sempre dure.

…no filme “Western Stars”, a voz de Bruce Springsteen diz-nos: temos que continuar a caminhar, no escuro, sabendo que é lá que está a manhã seguinte.

Vitor Neves

(publicado no jornal Folha do Centro, 12 Março de 2020)

ps.: Fez bem o Município de Oliveira do Hospital em cancelar a Festa do Queijo Serra da Estrela. A coragem do bom senso em uma decisão acertada.      

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publicado às 18:28


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